segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O INTÉRPRETE DE LIBRAS E A INCLUSÃO SOCIAL DO SURDO

Lilian Vânia de Abreu Silva Olah 
Naiane Caroline Silva Olah


Atualmente vivemos no Brasil um momento especial na história dos Surdos e dos intérpretes de LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais): a Lei nº 12.319 de 01 de Setembro de 2010, regulamenta o exercício da profissão do Tradutor Intérprete de Língua de Sinais e, em linhas gerais, prevê a formação necessária do profissional, bem como a competência para traduzir da LIBRAS para o Português e do Português para LIBRAS. É possível ver esse momento como resultado do reconhecimento da Língua de Sinais e sua importância ao proporcionar ao Surdo as condições necessárias para que ele consiga praticar sua cidadania. 

Mesmo sem intérpretes nas mais diversas áreas, um número restrito de Surdos conseguiu alcançar uma profissão. Segundo o IBGE o número de surdos no Brasil está na faixa de 5.750.809 e apenas 3% desse número concluiu a educação básica. Apesar de ainda ser deficiente a qualidade e o acesso dos surdos à Educação no Brasil, a presença cada vez mais necessária do intérprete tem sido de inteira importância, para que bons resultados sejam alcançados. 

Devido a grandes esforços e a atuação, ainda que irrisória, do intérprete na área da Educação, existem Surdos gastrônomos, pedagogos, cientistas da computação, arquitetos, desenhistas, administradores, atores, pastores, massagistas, candidatos a cargos políticos, dançarinos; etc., porém, com a participação e atuação do intérprete, acreditamos que haverá muito mais acessibilidade nas escolas e na formação de profissionais surdos em várias áreas, possibilitando assim, aumento na freqüência a locais de lazer, cultura e convívio social. Desse modo, será indispensável a atuação do intérprete nas salas de teatro, shows, livrarias, museus, saraus de poesia, exposição de arte, apresentação de corais e orquestra.

Apesar disso, ter ocorrido somente ainda maior cidade do país e faltarem esforços que levem a esta deserção, uma iniciativa que merece destaque foi comemoração dos setenta anos do Coral Lírico Municipal de São Paulo, em 2009, juntamente com a Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo, sob a regência do
maestro Mario Zaccaro. 


Nesta ocasião, foram realizadas quatro apresentações das quais duas foram totalmente interpretadas para LIBRAS pelas intérpretes Lilian e Naiane Olah. A resposta dos surdos não poderia ter sido melhor. 

Alguns foram ao primeiro dia de apresentação e voltaram para a segunda apresentação trazendo outros surdos. Abaixo, serão traduzidos e analisados alguns dos depoimentos. “Como eu escuto mais ou menos, eu ouvir, sentir a musica e vendo as faces das pessoas que fizeram as expressões e achei lindos. Surdo consegue sentir pela vibração da musica e tradução próprio de libras da musica e poesia, os surdos se emocionam.” (surda Cintia Rosa tarifa -IBVG). 

Conforme colocado por Cintia, uma jovem surda que é integrante de um grupo de dança em São Caetano do Sul, ela ouve um pouco e pelas vibrações consegue acompanhar alguns sons. Ainda assim, sem tradução da letra das músicas muitas coisas ficariam sem sentido. “Pela primeira vez fui assistir a um espetáculo de música, o Coral Lírico do Teatro Municipal que contou com a atuação de duas intérpretes (Lilian e Naiane). 

Quando a música do coral começou, adorei ver as duas intérpretes, mas eu não consegui sentir a vibração da música. Eu estou acostumado a sentir a vibração do samba, mas o coral é diferente, o som é baixinho. Embora eu não gostasse de usar aparelhos auditivos, resolvi emprestar um aparelho do meu amigo Leonardo Ulmann e comecei a escutar a música do coral. Fiquei muito emocionado pois era suave e calmo. Gostei demais e agora voltei a usar aparelhos auditivos (rsrsrs).Desejo os parabéns aos músicos, às duas intérpretes (Lilian e Naiane) e aos diretores e organizadores desta apresentação cultural no Teatro Municipal que foi um grande sucesso !!!”(Paulo Vieira – Surdo). 

De acordo com Paulo Vieira, que é presidente da Associação de surdos de São Paulo e trabalha também na Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida de São Paulo, para o surdo o intérprete deve fazer parte do conjunto, sendo mais um elemento da situação em que está inserido. Como podemos ver, Paulo Vieira sentiu a necessidade de acompanhar a tradução ao mesmo tempo da vibração da música. E mais uma vez a presença do intérprete permitiu que algumas lacunas do espetáculo fosse preenchidas para ele, indivíduo surdo. “Eu nunca tinha ido a um teatro, pois sempre pensei que seria algo que não entenderia, algo destinado aos ouvintes. 

Ao ser convidada para o Coral Lírico realizado no Teatro Municipal, com intérpretes de LIBRAS, Lilian e Naiane, resolvi ir, mas sem achar que poderia me impressionar.Começando a peça, realmente me senti emocionada, as intérpretes fizeram um excelente trabalho acompanhando o coral e os efeitos das luzes, como o anoitecer, o vento, me fizeram sentir mais próxima do espetáculo. Consegui, também, acompanhar o coral com as vibrações.Todos esses pontos fizeram com que eu pudesse sentir emocionada com o coral, as intérpretes conseguiram fazer com que eu entendesse a peça, foi uma experiência incrível, gostaria de poder assistir outras peças com intérpretes.“Parabéns a todos que
organizaram este evento, ficou nota 10.” (Laila Sankari de Camargo Rosa – surda)
Como não se alegrar com tal reconhecimento? Ainda assim, alguns, infelizmente, não compreendem o papel do intérprete ou a acessibilidade que promovem aos surdos.  

Muitas vezes os intérpretes são vistos como “pessoas iluminadas” fazendo uma obra de caridade para os “coitados dos surdos”, ou mesmo pessoas esquisitas que querem chamar a atenção balançando tanto os braços e com tantas caretas. “Já que querem fazer tal coisa, então é melhor que fiquem lá na galeria ou no cantinho sentados para não atrapalharem. O melhor mesmo seria que ficassem lá atrás nos fundos para não distrair as pessoas”.

Certa vez foi atribuído a um grupo de TILS (Tradutores Intérpretes de Língua de Sinais) a seguinte afirmação: “Essas pessoas parecem macacos de tanto que gesticulam” Raramente o intérprete é lembrado quando as luzes se apagam quando o show vai começar. Pausa para descanso para quê? É melhor ir direto para ganhar tempo e assim a palestra, aula ou reunião pode terminar mais cedo. 

Pode-se relatar ainda outras atitudes distraídas e desinformadas sem que haja a percepção de que o intérprete está ali há um bom tempo. Ao descrever algumas situações como as citadas acima, parece que tudo foi ruim. Mas não foi. Trata-se de um caminho de aprendizado e estabelecimento da profissão de intérprete, em que hoje se percebe passos largos, ganhos e recompensas. Passos esses que estabelecem bases, informações e padronizações para a prática da tradução interpretação. 

Olhar para a história da LSB (Língua de Sinais Brasileira) é também olhar para a história do intérprete que acompanhou o surgimento e o desenvolvimento dessa língua. Fazer parte dessa história é emocionante, principalmente pelo fato de começar, no ano de 1993, a aprender LIBRAS para simplesmente dizer „oi‟ ao surdo e nunca mais conseguir dizer „tchau‟ porque o surdo e sua língua são encantadores. 

Há duas décadas, aprendia-se LIBRAS onde era possível: igrejas, oficinas, congressos, intercâmbios, FENEIS (Federação Nacional de Educação e Integração do Surdo), textos e livros traduzidos e sem haver literatura especializada para tal, até que começaram as primeiras publicações brasileiras destacando-se a pesquisadora Doutora Lucinda Ferreira Brito, cujo trabalho cooperou para o reconhecimento não só da LIBRAS como também da Língua de Sinais dos Urubu-Kaapor (LSKB), uma tribo indígena do estado do Maranhão. 

Mais tarde, surgiram outras publicações que permearam a capacitação dos usuários e intérpretes da LIBRAS. Esses trabalhos foram documentados da mesma maneira que na geração anterior: com comprometimento, cumplicidade, pioneirismo, militância, dedicação e amor às causas relacionadas aos surdos. A legalização da profissão do intérprete traz consigo além dos direitos e deveres desses profissionais, o reconhecimento e a formação necessária (cursos de graduação e capacitação), proporcionando assim o acesso dos surdos à informação e uma participação efetiva na sociedade, bem como um atendimento digno em todos os estabelecimentos públicos, o que é direito de todos os cidadãos brasileiros. Com o objetivo de atribuir experiências de práticas e vivências durante o processo de aprendizagem da LIBRAS e também do trabalho enquanto TILS (Tradutor Intérprete de Língua de Sinais), as autoras desse artigo inserem alguns relatos e concepções pessoais a fim de enriquecer a história com a prática. “Como já citado durante o artigo, todas as dificuldades em se aprender a LIBRAS e também acreditando que essa língua é rica, bela, e muito importante para a comunicação com os surdos, resolvi começar a praticar com minhas queridas filhas Naiane, que na época tinha três anos de idade e Lidiane, com um ano de idade. 

Como eu não tinha contato com surdos durante a semana, e precisava treinar, então passei a ensinar e conversar com elas através da língua de sinais. Em pouco tempo, elas já estavam sinalizando e nos finais de semana em nossa comunidade convivíamos com surdos. Aos sete anos, minha filha mais velha já interpretava a pedidos dos surdos quando iam a uma lanchonete ou farmácia, e ali eles brincavam e havia um carinho enorme e nossa amizade se fortalecia cada dia mais. Hoje, minhas filhas são usuárias da Libras. Naiane, optou por me acompanhar em alguns cursos e por volta dos catorze anos decidiu ser preparada para ser intérprete. 

A emoção foi enorme juntamente com a responsabilidade, mas, quem diria que de uma simples iniciativa de aprender a LSB juntamente com a prática de amar a Deus e ao próximo proporcionariam a vivência do processo de inclusão natural sem nenhuma obrigação. Hoje, Naiane aos 20 anos de idade já é intérprete certificada pelo PROLIBRAS e cursa o 3º ano da primeira turma LETRAS LIBRAS – EAD (Ensino a Distância ) pela UFSC; atua na área educacional, e em eventos culturais.” (Lilian Olah – TILS e Instrutora de Libras)

Para oferecer uma visão de uma intérprete dessa nova geração, a também autora desse artigo, Naiane Olah especifica sua opinião a respeito da importância desse momento para o profissional intérprete: 

“Escrever esse artigo como intérprete profissional reconhecida no Brasil é muito mais relevante e inspirativo. Apesar do contato natural com a língua de sinais se levava um bom tempo para entender que há profissionalismo dentro de uma atividade exercida há tanto tempo. O reconhecimento profissional do intérprete por meio da lei nº 12.319 de 01 de Setembro de 2010 baseia-se no trabalho daqueles que acreditam no direito do surdo de ter acesso ao que o ouvinte tem e, além disso, baseia-se no fato de que o intérprete não é um indivíduo que gesticula ao vento para ajudar o „pobre‟ do surdo, e sim um tradutor que possui habilidades e competências.Muitas vezes por falta de informação identifica-se o TILS como apenas um sujeito bilíngue que pode atuar em qualquer situação, porém, esse momento tão importante historicamente nos leva a refletir e nos impulsiona para a conscientização do que é ser intérprete. Segundo Francis Aubert, autor do livro “As (In) Fidelidades do Tradutor”, o ato tradutório exige algumas competências que podem ser desenvolvidas.  

Vale deixar claro que a competência tradutória diferencia o bilíngue do tradutor. E por que não atribuir as competências necessárias ao tradutor de línguas orais também ao TILS Atualmente destaca-se a atuação do intérprete no âmbito cultural, educacional e científico e em muitas outras áreas de atuação como a saúde, sistema jurídico etc. E me permito imaginar o futuro dessa profissão no Brasil em que os tradutores intérpretes atuem de acordo com sua competência referencial (capacidade de se familiarizar com determinado assunto¹) e de acordo com a área especializada por seus estudos. Após o trabalho no Teatro Municipal de São Paulo, iniciei uma nova experiência de tradução juntamente com a TILS Lívia B. Vilas Boas e os resultados desse projeto, que está no início, tem dado certo e estão publicados no site de armazenamento de vídeos mais conhecido do mundo. Essas novas experiências possibilitam a transcendência do trabalho de tradução da língua de sinais. Esse novo trabalho iniciou-se com a tradução da música “Carinhoso” de Pixinguinha, gravada e publicada na web; e tende a estender-se ainda mais com novas concepções, reflexões e práticas de interpretação na certeza de que quando a língua de sinais é levada a sério, maravilhosos trabalhos podem surgir a partir desse simples ato de respeito.” (Naiane Olah – TILS) 

Mais uma vez, é possível ver esse momento com muito otimismo e expectativa. E pensar que a Libras já é legalizada, e que já são instituídos os direitos dos surdos (apesar de estar tudo no começo) e agora também legalizada a profissão do intérprete, temos uma nova geração abraçando e acreditando nesse legado. Não resta outra alternativa a não ser continuar e acreditar.

Publicado: Revista Pandora Brasil Nº 24 – Novembro de 2010
“Inclusão em Educação: Caminhos, Políticas e Práticas”

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
AUBERT, Francis Henrik. As (in)fidelidades da tradução: servidões e autonomia do tradutor. Campinas: Unicamp, 1994.
VASCONCELLOS, Maria Lucia e BARTHOLAMEI JR, Lautenai Antonio; Estudos da Tradução I / Unidade 2 – Florianópolis 2008
QUADROS, Ronice Muller de, O tradutor intérprete de língua brasileira de sinais e
língua portuguesa – Brasília 2004